Locação. Caução – Imóvel Gravado – Impossibilidade

Ana pode ser fiadora?

Temos na matrícula do imóvel residencial o registro de uma escritura pública de doação, pela qual a casa ficou pertencendo à donatária Ana, com reserva do usufruto em favor da Mãe, ficando impostas as cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade, para vigorarem enquanto viva for a donatária, podendo a usufrutuária rescindir, a qualquer tempo, qualquer uma dessas cláusulas.

A donatária foi instada pela Mãe no sentido de comparecer num contrato de locação de determinado imóvel residencial em São Paulo, Capital. A Mãe figurará como locatária e a filha, Ana, como fiadora.

A Imobiliária não aceitou, tendo em vista que o único bem da fiadora está gravado com tais cláusulas restritivas.

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  1. A Imobiliária está correta?
  2. O fato de Ana comparecer como FIADORA não implica na ineficácia daquelas cláusulas?
  3. Ou tais restrições têm o condão de botar o imóvel como INDISPONÍVEL?

Resposta:

  1. Sim, porque a fiança/caução (em havendo clausulas restritivas de inalienabilidade e impenhorabilidade) seria ineficaz;
  2. Ao contrario, em havendo as restrições impostas pela doação o que seria ineficaz seria a fiança/caução;
  3. Impostas as restrições por ocasião da doação o bem imóvel fica de certa forma indisponível, pois não poderá ser alienado nem onerado (a não ser em situações especiais, se a inalienabilidade for relativa – pode ser alienado entre outros donatários, ou penhorado quando os débitos forem do próprio imóvel p.e. – ver artigo n. 30 da Lei n. 6.830/80);
  4. Ver também processo nº. 1131409-54.2015.8.26.0100 da 1ª VRP da Capital, abaixo reproduzido;
  5. Eventualmente as interessadas poderão se valer de outra modalidade de garantia prevista na lei das locações (Lei n. 8.245/91 – artigo n. 37, inciso III e IV).

É o que entendemos passível de censura.

São Paulo, 21 de Agosto de 2.017.

LEI No 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980.

Art. 30 – Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Divida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis.

LEI No 8.245, DE 18  DE OUTUBRO DE 1991.

Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:

I – caução;

II – fiança;

III – seguro de fiança locatícia.

IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.

LOCAÇÃO. CLÁUSULA RESTRITIVA DE DOMÍNIO – IMPENHORABILIDADE. CAUÇÃO LOCATÍCIA. AVERBAÇÃO

 

1VRPSP – PROCESSO: 1131409-54.2015.8.26.0100
LOCALIDADE: São Paulo DATA DE JULGAMENTO: 11/03/2016 DATA DJ: 16/03/2016
UNIDADE: 3
RELATOR: Tânia Mara Ahualli

Pedido de providências – Cláusula de impenhorabilidade – Impossibilidade de dar o bem em caução – Inafastabilidade da restrição pelos proprietários – Pedido improcedente.

ÍNTEGRA

Processo nº 1131409-54.2015.8.26.0100 – Pedido de Providências – 3º Oficial de Registros Públicos – Stella Regina Spenavisentini e outros – Sentença (fls.44/45):

Pedido de providências – Cláusula de impenhorabilidade – Impossibilidade de dar o bem em caução – Inafastabilidade da restrição pelos proprietários – Pedido improcedente.

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Stella Regina Spenavisentini, Agostino Visentini, Rodrigo Russo Spenavisentini e Virgílio Russo Spenaviscentini, após óbice diante de pedido de averbação de caução locatícia no imóvel de matrícula nº 110.697 da mencionada Serventia. Inicialmente, o procedimento foi protocolado como dúvida, sendo alterado pela decisão de fl. 37.

O Oficial alega que o óbice se deu por constar na matrícula do citado imóvel cláusula de impenhorabilidade, de modo que a caução seria ineficaz, sendo que caso verificado o inadimplemento da obrigação o bem dado em caução não poderia ser penhorado em eventual execução. Junto documentos às fls. 04/34. Não houve impugnação, conforme certidão de fl. 38.

O Ministério Público opinou às fls. 41/42 pela improcedência do pedido.

É o relatório. Decido.

Com razão o Oficial e a D. Promotora.

Ainda que se diga que o bem foi dado em caução pelos próprios favorecidos (donatários), a cláusula de impenhorabilidade não é disponível por vontade dos proprietários do bem, por tratar-se de verdadeira condição para que a doação seja válida e eficaz. Os doadores estabelecem cláusulas restritivas para proteger os donatários da perda do bem. O afastamento do gravame só pode ocorrer nos termos e condições estipuladas pelos próprios doadores, ou judicialmente, caso constatado ineficácia ou invalidade das cláusulas. Diferente é o caso do bem de família, alegado pelos requerentes, pois nesta hipótese a estipulação parte dos próprios proprietários, e não de terceiro como condição de negócio jurídico.

Portanto, subsistindo a impenhorabilidade, impossível a averbação da caução, que em última análise seria ineficaz caso a obrigação não fosse cumprida.

Do exposto, julgo improcedente o pedido formulado por Stella Spenavisentini e outros, mantendo o óbice arguido pelo Oficial do 3º Registro de Imóveis da Capital.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 11 de março de 2016.

Tania Mara Ahualli

Juíza de Direito (CP 446)

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