Doação a Menor Impúbere C/ Cláusulas Restritivas – Desnecessário Alvará

Escritura pública de doação a menor impúbere, com reserva de usufruto e imposição de cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, há necessidade de alvará judicial?

Resposta:

Por tratar-se de doação (ainda que modal), prescindível alvará judicial.

É o que entendemos passível de censura.

São Paulo, 24 de Outubro de 2.019.

Veja precedentes:

PERGUNTA ANTERIOR:

Foi apresentada e protocolada a escritura de doação de numerário e venda e compra de imóvel, com a imposição das clausulas restritivas de incomunicabilidade e impenhorabilidade vitalícias, em que consta que um dos adquirentes é menor púbere.

Quero saber se há necessidade de alvará judicial para a aquisição do imóvel?

                                      

Resposta:

  1. A escritura preenche os requisitos legais inclusive com relação ao ITCMD, estando inclusive muito bem redigida;
  2. Não há necessidade de alvará judicial, a uma porque se trata de doação, inclusive a um menor, e a duas em face da decisão da 1ª VRP da Capital, processo n. 0072005-60.2013.26.0100, abaixo reproduzida (aliás, oportuna);

É o nosso entendimento passível de censura.

São Paulo, 10 de Setembro de 2.014.

Compra e venda. Menor impúbere – aquisição. Alvará judicial. Doação – omissão. Impostos – recolhimento – fiscalização.

Registro de imóveis – dúvida – compra e venda de imóvel por menor impúbere devidamente representado – doação omitida no instrumento entabulado entre as partes – desnecessidade de expedição de alvará judicial – ato realizado no interesse do incapaz – dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos que não deve se sobrepor ao ato de vontade das partes.

1VRPSP – PROCESSO: 0072005-60.2013.8.26.0100 1VRPSP – PROCESSOLOCALIDADE:São Paulo CIRC.:17º 
DATA JULGAMENTO:12/02/2014 DATA DJ:11/03/2014 
Relator:Tânia Mara Ahualli
Legislação:

  • CC2002 – Código Civil de 2002 | 10.406/2002ART: 1691
  • LRP – Lei de Registros Públicos | 6.015/1973ART: 289


íntegra:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL

1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS

SENTENÇA

Processo nº: 0072005-60.2013.8.26.0100 – Dúvida – CP 413
Requerente: 17º Oficial de Registro de Imóveis

Registro de imóveis – dúvida – compra e venda de imóvel por menor impúbere devidamente representado – doação omitida no instrumento entabulado entre as partes – desnecessidade de expedição de alvará judicial – ato realizado no interesse do incapaz – dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos que não deve se sobrepor ao ato de vontade das partes.

Vistos.

O 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo suscitou a presente dúvida a requerimento de DIEGO DA SILVA CRISCUOLO. De acordo com o relatado (fls. 02/06), pretende-se o registro de uma escritura de compra e venda lavrada perante a Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do Distrito de Ermelino Matarazzo Comarca de São Paulo (fls.21/23), em 28 de agosto de 2013, no qual Elias Moreira dos Santos e sua mulher Mara Virginia Criscuolo dos Santos venderam o imóvel objeto da matrícula nº 59.443 ao suscitado, menor impúbere, representado por seu genitor Carlos Eduardo Criscuolo.

O título foi apresentado ao 17º Registro de Imóveis em 30 de outubro de 2013 e qualificado negativamente, por entender o registrador que o suscitado não cumpriu a exigência de apresentação do alvará para lavratura da escritura pública de compra e venda do imóvel adquirido com recursos próprios, sendo que a representação legal não seria suficiente para suprir a incapacidade civil do adquirente. Alega, ainda, que de acordo com a escritura lavrada não houve a menção de qualquer doação em dinheiro, não sendo caso de recolhimento de tributo para este fato gerador.

Houve impugnação do suscitado (fls.32/37) DIEGO DA SILVA CRISCUOLO,que alega genericamente que a compra e venda do imóvel foi feita em seu interesse exclusivo, com a utilização de “recursos outros”, que independem de qualquer autorização judicial para serem utilizados. Sustenta que de acordo com o artigo 1.691 do CC a aquisição de bens móveis ou imóveis em nome de menor necessita da prévia autorização judicial apenas na hipótese de alienação dos bens, bem como que o registrador só poderá exigir a expedição de alvará judicial nas hipóteses expressamente previstas em lei. Por fim, aduz que em relação a fiscalização tributária o Oficial só é responsável pelos negócios praticados perante sua fé pública e que contem com sua efetiva intervenção.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 39/41).

É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

O suscitado, relativamente incapaz em razão da idade, pretende o registro de contrato de compra e venda, no qual figura como comprador de um imóvel.

A exigência do registrador tem como fundamento o artigo 1691 CC, que dispõe:

“Art. 1691: Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”.

É assente perante a doutrina pátria que a restrição imposta pelo legislador ao gerenciamento dos bens de menores pelos pais tem por finalidade impedir que eles venham a ser prejudicados. A compra de bem imóvel não foi prevista na norma, que fez menção expressa apenas à alienação, e, em não acarretando obrigações que venham a diminuir ou atingir negativamente o patrimônio do incapaz, está isenta da autorização judicial.

Entendimento contrário viria contra a motivação legal, ou seja, em prejuízo do menor.

O precedente trazido aos autos pelo zeloso Registrador constitui hipótese atípica. Naquele caso em especial, tratado nos autos CG 2013/96323, havia dúvida sobre a idoneidade do negócio jurídico subjacente e conflito de interesses.

A simples leitura do título que se pretende registrar evidencia a omissão das partes em relação à origem do numerário utilizado para o pagamento.

Conforme se verifica da escritura, não há qualquer menção de que o imóvel foi adquirido por “recursos outros”, consistente na doação modal acoplada à compra e venda, mas sim através de recursos próprios do menor. Tal afirmativa é embasada com o recolhimento de somente um imposto relativo à compra (ITBI imposto de transmissão de bem imóvel), não havendo nenhuma menção ou recolhimento em relação à eventual doação realizada em prol do menor (ITCMD).

O artigo 289 da Lei 6.015/1973: “é dever dos oficiais registradores fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício”.

Logo, cabe ao registrador fiscalizar o recolhimento dos tributos incidentes sobre os fatos geradores. Não existe o fato gerador do imposto de transmissão relativo à doação no contrato entabulado.

Com razão o MM Juiz Asdrubal Nascimbeni (fls. 03) ao afirmar que a origem do numerário não interessa ao Direito Civil, mas ao fisco. A responsabilidade fiscal é de quem realiza o negócio, não cabendo ao Registrador presumir eventual fraude ou simulação e exigir recolhimento em desconformidade com o exposto no título.

Como vem sendo decidido nesta 1ª Vara de Registro Públicos em casos semelhantes:

“O registro de ESCRITURA pública de venda e compra do suscitado para sua filha menor, em que pese envolver uma suspeita de ato simulado, que pode até revelar sonegação fiscal, conquanto a DOAÇÃO é mais fortemente onerada, não pode ser obstada sob a ótica registral.

A aquisição, como destacou o Ministério Público, se faz em prestígio e favorecimento da menor, de forma que não pode exigir, no caso, um rigorismo maior, mormente porque é o pai ou a mãe que possuem prerrogativas para representar seus filhos menores. O pátrio poder pode ser exercido por um ou outro, ou ainda por ambos.

Não se vislumbrando irregularidade registral, o acesso da escritura ao fólio deve ser franqueado.” (Dr. Venício Antonio de Paula Salles, Processo nº 164169-2/02).

Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 17º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de DIEGO DA SILVA CRISCUOLO, para que o título tenha acesso ao registro.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de quinze dias.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de fevereiro de 2014.

Tania Mara Ahualli

Juíza de Direito

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